Projeto Poética do Habitar
Realizamos incursões na natureza, em lugares de mata fechada, paisagens isoladas do mundo. Lina, minha filha de um ano e oito meses recolhe materiais que vai encontrando pelo chão, guardando-os nos bolsinhos. Observo e documento sua seleção. Numa de nossas incursões, Lina risca o chão, está imersa, mergulhada na terra, com o corpo todo – numa espécie de reverência ao solo. Apanha pedrinhas, folhas e galhos e os faz passar por dentro da blusa, como se já não coubessem em suas mãos... Adentramos as matas, somos convidadas a tomar parte no mundo da forma mais genuína – tudo está presente.
Ampliamos nossa capacidade de perceber. Aprendemos sobre texturas, cores, guiadas por nossa sensibilidade estética. São muitas as cores a cada camada. Coletar é estar atento e tomar consciência do que está à nossa volta: observando com atenção as distintas cores do solo, passamos a ouvir melhor, e nos abrimos para o chamado da terra que nos equilibra e nos orienta. Fazemos buracos, avançamos agora para as camadas mais profundas da terra. As cores mudam. Coletamos. Vamos para o centro da Terra, e são muitas as coisas que encontramos ali. É emocionante coletar com os olhos atentos. Instigo o olhar curioso de Lina. Podemos encontrar os pigmentos naturais em lugares inimagináveis. E agora os colecionamos. E nos reconectamos, uma vez mais com o mundo natural.
Atenta aos ecossistemas circundantes, às áreas de preservação, recolhemos com ética, e cuidado, logo esses materiais estão nas bancadas de meu estúdio. Investigo os processos de extração de pigmentos, entro em contato profundo com os segredos da terra. São cores que agora se vão revelando no lado dentro, no interior da casa.
Encontro nos pigmentos terrestres texturas que refletem histórias, cheiros, odores, fragmentos de luz, numa revelação constante que permite tomar consciência das cores da terra e das texturas espalhadas pelos ambientes.
E os materiais se transformam: são agora bastões para desenho, pincéis, aquarelas. Materiais sofisticados, elaborados em meu estúdio, prontos para uma renovada experiência com a terra. Experiência essa que agora se dá na trama do papel, nas lembranças das paisagens que percorremos, nas pinturas de Lina, em tudo aquilo que me emociona, que nos conecta.
Levamos conosco esse momento de gratidão, atenção e reflexão. São muitas coisas que ocorrem nesse contato mais intimo com a terra. Estamos em estado de permanente descoberta.
Ficha técnica
Denise Valarini | idealizadora
Flávia Tonelli | ilustrações
Laís Blanco | design e projeto gráfico
Pedro Spagnol | fotografia e vídeo